segunda-feira, 14 de março de 2011

Escrever pode ser considerado um acto de "traição permanente"

Pedro Chagas Freitas, o Mourinho da escrita, é um escritor premiado e com dezenas de obras publicadas. Chega aos Açores em Força com o seu projecto EscreVIVER.


Sente-se um escritor fiel aos defeitos humanos? É esse o objectivo da sua escrita: a fidelidade aos nossos defeitos?
Sou um escritor fiel à infidelidade. Escrever é uma traição permanente. Escrever é ser muitos. E ser muitos é ser agora o que no momento seguinte parece impossível de ser. Escrever é um defeito que produz efeito: um defeito útil. Talvez o defeito mais útil do mundo. Ter a possibilidade de fazer vida de um defeito e de ensinar os outros a encontrarem utilidade nesse defeito é um mistério tremendo para mim. Mas é, mais ainda, uma grande felicidade: uma bênção que, todos os dias, agradeço. Por falar nisso, aqui vai mais uma: obrigado.

Gosta de ser chamado pelo epíteto de "o Mourinho da Escrita"?
Não tenho de gostar ou de não gostar. Mas se há algo que me deixa feliz na comparação é isto: trabalho como um cão para ser o melhor, para conseguir fazer o que mais ninguém faz. E, nisso, sou exactamente igual a ele. Nisso e na barba sempre por fazer – mas isso é apenas porque tenho uma pele de cocó, que sempre que se lhe coloca uma lâmina em cima parece que se desfaz em papas. No fundo, é isso: se ser o Mourinho da escrita é ser um gajo que se esfalfa que nem um desgraçado, que passa os dias a pensar na melhor forma de escrever, na melhor metodologia para fazer escrever melhor os outros, nas melhores soluções para chegar a algo realmente vencedor e único, então, sim, não há que duvidar: eu sou esse gajo.

Já admitiu ser um apreciador de paisagens humanas. Atrai-lhe mais: pessoas semelhantes ou diferentes de si?
Gosto de ver pessoas. De olhar, sim – mas sobretudo de as ver. E são coisas completamente diferentes. Recordo-me de que, nos meus tempos de faculdade, saía muitas vezes sozinho de casa para ver pessoas. Nada mais do que isso: sair para a rua para ver pessoas. Era como que uma precisão biológica: uma necessidade tão forte como comer ou beber. Atrai-me, por isso, pessoas – as tais paisagens humanas. Podem ser diferentes ou semelhantes. Mas todos sabemos que, na realidade, não há semelhanças entre seres tão iguais como os humanos.

Qual foi a sua maior loucura?
Acreditar que seria capaz de responder a essa pergunta sem ser louco. Mas sou: incondicionalmente louco. Sou pelo direito à loucura. Sou contra qualquer tipo de sistema – o que faz com que seja esse, no fundo, o meu sistema. E ser regido por esse sistema é, sem dúvida, a minha maior loucura. Por mais louco que possa parecer.

“O resto é viver com a arte dentro”

Para si o prazer e a demência são irmãos?
O prazer só é prazer quando é demencial: quando se faz do que não se agarra com a razão, quando se faz do que não se vê com o olhar. Por isso, não diria que são irmãos – diria, isso sim, que são amantes: amantes loucos. Melhor ainda: amadores – verdadeiros profissionais do amor. Sem demência não há prazer – mas também não é menos verdade que a demência não é, em regra, prazer algum. A demência alimenta sem alimentar: é uma triste. Ser demente é uma loucura – essa é que é a verdade.
Como foi alargar o projecto EscreVIVER até aos Açores?
O projecto escreVIVER é, por filosofia, um projecto on tour – um projecto que quer, e tem percorrido, vários pontos do país. A ideia é colocar o país a escrever melhor, a pensar melhor, a ser capaz de estruturar melhor as suas ideias e a transmitir melhor as suas mensagens. Nesse sentido, chegar aos Açores foi um passo de gigante – um passo que me fez chegar a um local onde fui capaz de enriquecer e de ser enriquecido pelas pessoas; um local de paisagens humanas absolutamente brutais – que me levaram para fora de mim para voltar, depois, mais eu do que nunca.

Comente esta citação de Thomas Edison: A genialidade é 1% inspiração e 99% transpiração.
A genialidade é a mais genial das invenções humanas. A genialidade foi inventada por um preguiçoso que queria justificar a sua preguiça. A genialidade é pegar no nosso corpinho e na nossa cabecinha e ligá-la aos nossos sentidozinhos. O resto é trabalho. É insistir, é doer, é fazer doer, é berrar, chorar, gritar, gemer, rir. O resto é viver com a arte dentro. É assim que se faz genialidade. E isso de genial não tem nada.

Cláudia Martins, Açoriano Oriental, 14 de Março de 2011

1 comentário:

Fernando Santos (Chana) disse...

Olá Cláudia, gostei da entrevista....
Beijos