domingo, 17 de abril de 2011

“Sou apologista da arte pela arte e não da arte ao serviço de causas”

Emanuel Carreiro, um dos pioneiros na comunicação televisiva açoriana, reconhece ser frontal e directo; deu-nos a conhecer o seu lado artístico e aventureiro.

Todos os quadros que produz, encerram em si emoções e sentimentos fáceis de se diagnosticar?
Partindo do princípio de que “Quem pinta, retrata-se” e do que alguém escreveu num jornal a meu respeito -"Já nos habituámos à expressão serena dos seus quadros que revelam o prazer de pintar e nos transportam a uma realidade calma que o artista nos comunica nas suas obras.", isso será, em boa parte, verdade.

É apologista de mensagens subliminares?
Se a minha pintura transmite mensagens subliminares, isso acontece acidentalmente, não é intencional. Sou apologista da arte pela arte e não da arte ao serviço de causas (tal como no jornalismo que pratico). Isto, aliás, está de acordo com a minha maneira de ser – frontal e directo, às vezes inconvenientemente frontal, reconheço.

E na pintura é, por vezes, inconvenientemente frontal?
Bem! Até agora não pintei nenhum nu, mas conto lá chegar…

A sua veia artística foi educada ou é um gene natural como o simples respirar?
As duas premissas são verdadeiras. Se a propensão para nos exprimirmos plasticamente é genética, bem como o fascínio pelas formas e pela cor, a capacidade de bem observar e reproduzir foi e, convém que seja, educada. Isto já para não falar na necessidade do conhecimento das técnicas e dos materiais que se utiliza, claro.

“A tragédia que deve ser um pintor perder a visão...”


Para si qual é a espada mais poderosa: uma caneta, um microfone ou um pincel?
Há vozes que arrastam multidões, textos que são revolucionários e pinturas que denunciam ou imortalizam situações. Qualquer forma de expressão, não esquecendo a musical e a teatral, são boas para servir uma causa. A pior é mesmo a da força das armas.

Já se desafiou, alguma vez, a pintar de olhos fechados?
Não, nem nunca tinha pensado nisso. Essa questão confronta-me com a tragédia que deve ser um pintor perder a visão, um cantor perder a voz, um músico perder a audição. Nem quero pensar nisso…

Como definiria o seu ponto de sensibilidade artística?
Bem, esta é daquelas perguntas a que não deve ser o inquirido a responder mas, no entanto, numa escala de pequena, média e grande, atrevo-me a defini-la de média para não ofender ninguém.

Sendo uma figura pública e exposta à sociedade, existe na sua vida espaço para a aventura? Partilha alguma connosco?
Bem, há aventuras e aventuras; pequenas aventuras, que não passam de anedotas, e grandes aventuras em que se arrisca a vida ou a credibilidade. Em ambas andei metido, tal como todos nós.
Das pequenas aventuras destacaria aquela em que internado no hospital não resisti a ir fumar um cigarrinho à casa de banho, mesmo atrelado ao tripé do balão de soro. Estava eu a “chutar-me” quando o cigarrinho me cai da mão e rola por baixo da porta para o corredor, entrei em pânico! Abri a porta e corri pelo corredor fora sempre atrelado ao tripé do balão de soro atrás do cigarrinho que, impelido por uma misteriosa corrente de ar, insistia em não o deixar apanhar. Imaginem a cena, eu uma figura pública!
Das grandes aventuras destacaria duas: a guerra de África onde, durante dois anos, fui atirador de infantaria e saí ileso, até mesmo de uma emboscada à queima-roupa, e as Reconstituições Históricas dos Açores (o projecto que até hoje me deu mais prazer realizar) em que contratei uma nau e uma caravela, três grupos de teatro, dois grupos musicais, cem figurantes, uma ceia para cem pessoas e saí de tudo isso sem dever um cêntimo a ninguém!

Comente esta citação de Samuel Butler: Toda a obra de um homem, seja em literatura, música, pintura, arquitetura ou em qualquer outra coisa, é sempre um auto-retrato; e quanto mais ele se tentar esconder, mais o seu caráter se revelará, contra a sua vontade.
Bom, cada um tem o seu próprio género e estilo. No meu caso, sou figurativo com um estilo próprio, embora denote influências. Não me imagino a fazer pintura abstrata e a pintar paisagem ou retrato no estilo de Urbano ou Carlos Carreiro. Tenho tentado abstratizar os meus quadros mas acabo sempre por cair no pormenor, no figurativo. É a minha natureza, como diria o escorpião…

Cláudia Martins, In Açoriano Oriental, 17 de Abril de 2011

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